Manhã de um dia de plantão. Todo um período para verificar se de fato as frentes de trabalho estão trabalhando dentro das prescrições das respectivas autorizações para execução de serviço. Logo de cara encontramos um trabalho em altura, cujo andaime é precário, com ausência de escadas de acesso, trava quedas para deslocamentos verticais, além dos empregados estarem utilizando EPI com excesso de desgaste.
Interditamos o trabalho e tentamos localizar o profissional de segurança da empresa. Minutos depois o mesmo aparece e vem afirmando que nossa atitude não é ética, afinal de contas, ele também é um profissional de segurança e deveria ser respeitado.
Como tantas outras, a palavra ética é uma destas que muitas pessoas usam apenas quando querem fazer lembrar de que elas devem ser respeitadas. Estranhamente, há sempre de se desconfiar de alguém que precisa exigir respeito, pois via de regra quem o merece de fato jamais menciona tal necessidade, já que por suas atitudes e forma de agir, o respeito ético é mantido na forma implícita.
Vivemos no país da evocação do direito! Algumas pessoas, que fazem questão de desconhecer seus deveres e por conseqüência, insistem em descumpri-los, quando percebem-se diante de alguma situação constrangedora (se é que algo constrange gente deste tipo), oculta-se no campo da discussão do "meu direito" ou mesmo da ética. Dentro das áreas profissionais tal comportamento deveria ser repudiado por todos, afinal de contas profissionais que agem assim em nada colaboram para a imagem e crescimento da área.
Ética é a disciplina que trata do que é bom e mau ou do que é certo ou errado, do dever e do compromisso moral; um grupo de princípios morais ou uma série de valores. No nosso caso especificamente trata-se do conjunto de princípios e conseqüentes condutas que, baseados nas experiências mais corretas definida a partir do compromisso moral, social e técnico, regem a postura dos profissionais tanto em relação a aquilo que fazem como na relação entre si.
Na verdade poderia dizer de forma mais simples, que a ética aplicada a profissão é a regra do jogo definida a partir da postura e ações corretas.
Atuar dentro dos princípios éticos e conduzir suas atitudes de tal forma que tudo ocorra dentro do respeito e cumprimento ao que nos foi definido como tecnicamente correto, aliando-se a isso os demais valores morais e sociais implícitos a vida humana. É respeitar e cumprir os deveres sociais do homem e por extensão as obrigações entre os membros da sociedade.
Apenas pensar de forma ética, não é ser ético. Há necessidade de que o pensamento transforme-se em ações concretas, manifestando-se na forma explicita. E através de ações.
No caso especifico do profissional de segurança, a base de seu comportamento ético está definida no respeito a dignidade humana, a partir e através de ações voltadas a preservação e conservação da vida humana. Dentro destes princípios, atuará de formará eticamente correta quando estiver empenhado na obtenção do bem-estar dos trabalhadores, seja individual ou coletivamente, valendo-se para isso de estudos, descoberta ou aprimoramento de métodos ou mesmo práticas que levem a esta realização. Por força de sua formação e cabedal de conhecimentos, agirá também para que a comunidade e o meio ambiente sejam protegidos e zelará para que dentro de sua responsabilidade profissional seja feito o necessário para que as questões do meio de formação e atuação sejam difundidas e compreendidas em todas as esferas. Em especial, tomará todas as medidas para que seu conhecimento técnico seja compatível com o tipo e natureza de riscos da empresa onde atua, tendo clareza de que só assumirá ou emitirá parecer em atividades para as quais sinta-se tecnicamente capacitado.
Na verdade, pelo breve texto acima, que poderia ser muito maior não fosse aqui apenas uma pequena explanação e referência sobre o assunto, ficam claros alguns dos princípios e limites éticos e há uma pequena demonstração do leque que se abre de observações da ética na atuação do prevencionista. A seguir, sem que a ordem apresentada sejam necessariamente a ordem de importância, citaremos alguns vasos específicos de relação ética.
Profissional - Legislação
A relação do profissional de segurança do trabalho com a legislação vigente sopre o tema deve ser a mais correta possível. Nossa área de atuação tem como base tal referência e mesmo sua existência está atrelada as normas oficiais. Por força de formação somos conhecedores de normas e omitir sua divulgação ou cumprimento pura e simplesmente é agir de forma incorreta. Por quanto profissionais técnicos, compete-nos no entanto, dentro dos mais altos princípios, realizar estudos para sua adequação a realidade da empresa a qual; prestamos serviços, ou mesmo elaborar estudos e apresenta-los informando a quem compete a decisão as implicações e conseqüências do não cumprimento. Portanto, age eticamente aquele profissional que não tendo poder decisão, ao menos informa a quem o detém, a existência e a necessidade de cumprimento de determinada legislação.
Profissional - Empresa
O profissional deve conhecer a filosofia, a política , costumes e padrões da empresa em que atua, respeitando-os e zelando para a preservação e respeito ao nome do seu empregador. Dentro da realidade brasileira, onde há necessidade do emprego e sobrevivência estão associados diretamente a sobrevivência das pessoas e manutenção de suas famílias, dificilmente há possibilidade do profissional abrir mão de sua forma de subsistência em prol da ética pura e simples. Ca a este então, como forma de ação em direta a atuação ética, empenhar-se para que seus conhecimentos e formação sejam utilizados para a transformação dos valores e cultura daquela empresa, sendo que a aceitação deste compromisso e implícito conhecimento da realidade da empresa, jamais permitirá que em momento algum seja direito deste denegrir a imagem da empresa
Profissional - Órgãos de Fiscalização
O profissional tem nesta relação duas vias éticas. A primeira delas diz respeito a questão de sua formação e compromissos com esta. A Segunda diz respeito a relação com a empresa em que trabalha, onde ocupa uma função que também tem suas prescrições. Certamente encontrará o equilíbrio ético para estes momentos quando atuar de forma profissional, dando seqüência a um programa de trabalho que seja nítido a todos os interessados. Encontrará um bom termo, quando com presteza apresentar o solicitado pela fiscalização, sem criar embaraços, sem participar da produção de documentos de origem duvidosa e principalmente sem agir de tal forma que informações que sejam do sue conhecimento pela função que ocupa, sejam repassadas adiante como forma de tentar auxilio externo para resolver questões da esfera interna da empresa. Tanto um lado como o outro, deverão ter ações norteadas pela compreensão da complexidade das relações e especialmente em alguns casos, pelo temor reverencia a que estão expostos os profissionais em algumas empresas.
Profissional - Representações dos Trabalhadores
Na verdade esta relação será mais adequada quanto maior for o compromisso do profissional em zelar meramente por questões técnicas. Há necessidade de que ambos os lados tenham conhecimento nítido do que de fato trata-se tal relação, não agindo os profissionais como se fossem donos da verdade e absolutos no assunto e assim menosprezando as representações dos trabalhadores, legitimas na sua busca por saúde e segurança. Ao mesmo tempo, as representações, especialmente por serem conhecedoras das entranhas da relação capital-trabalho não devem esperar ou exigir que profissionais de prevenção tenham ações que coloquem em risco a sobrevivência de suas funções. Nesta caso quanto maior for o dialogo e maior ainda o respeito e compreensão, maior será a relação ética e mesmo por conseqüência, os benefícios para os trabalhadores.
Profissional - fornecedores de equipamentos e serviços
Temos aqui ainda uma grande problema, não diferente de outras áreas de atuação, mas que com certeza deve ser motivo de muita atenção por ambas as partes. No caso especifico dos EPI a compra de material inadequado, impróprio ou indevido além de ser totalmente contrárias a ética, esbarram também na questão de legislação (falando de uma forma mais leve). O fornecedor de EPI deve ser tratado como um aliado, não como uma cúmplice. Alguém capaz de lhe fornecer meios que auxiliem na finalidade de sua trabalho - ou seja - a preservação da vida. Qualquer coisa diferente disso....deve ser eliminada. No que diz respeito aos fornecedores de serviços, cuidados maiores devem ser tomados. Não é ético comprarmos aquilo que podemos e temos tempo para fazer. Nada justifica o mal uso e desvio de recursos da empresa.
Profissional - Empregados
Eis aqui o ponto x da questão, que aliás será fundamental na definição das demais relações. E essencial o respeito, e isso não quer dizer a forma tradicional e usual da palavra e sim, que respeitar e aplicar o melhor possível e que se espera. Qualquer profissional que não veja cada um dos empregados como um cliente de sua especialidade, não estará agindo dentro da ética, mais ainda, se não fizer por este cliente TUDO QUE FOR POSSÍVEL E ESTEJA AO SEU ALCANCE DE AÇÃO. Lamentavelmente é muito comum visitarmos empresas onde a realidade é diferente disso, onde o SESMT vive distante dos empregados e age por decretos, sem discutir o assunto, sem buscar em conjunto com seus clientes a melhor forma para definir um programa de prevenção de acidentes. Comum também é encontrarmos ainda uso de EPI totalmente desnecessário, indicados e obrigados por SESMT que querem a comodidade da prevenção por atacado e esquecem que o conforto do ser humano está acima de tudo isso Para este caso, a relação será mais ética quanto maior for a busca de soluções visando de fato o homem, deixando para segundo plano outras questões. Leve em conta que ética tem muito de respeito quando respeito significa atender e cumprir o direito alheio.
Relação Profissional - Profissional
Eis aqui uma seara complicada ! Se é difícil manter a ética entre profissionais da mesma formação e nível, imaginem dentro de um grupo meio que multidisciplinar ? Na verdade, o caminho da ética para este caso passa pela legislação, maior será a relação ética quanto maior for o compromisso de todos com a finalidade do grupo. Lamentavelmente a questão do dos feudos e corporativismo não cooperam muito para isso, há preocupações outras - que nem de longe visam a saúde dos trabalhadores - que interferem nestas relações. Com tristeza afirmamos que aquilo que o SESMT poderia ser, quando na verdade é um dos poucos grupos que conta com profissionais de diversas formações e níveis, perde-se na estéril discussão das vaidade e feudos.
Qual o caminho ? Tomar mesmo como referência a finalidade e o objetivo deixando de lado as referência de Ética como mero meio de sobrevivência de alguns que nada fazem por ele. Isso presta-se tanto as relações dentro das empresas como nos grupos informais, onde na verdade os próprios grupos devem ser os agentes primeiros de adequação e depuração da coisa da ética em si. Não há como respeitar quem não respeita o principio básico da coisa e não deve ser um titulo ou um diploma que assegurem a esta ou aquela pessoa o direito de atuar como profissional sem ser chamado a atuação correta e digna e que atenda a relação ética com todos os demais envolvidos.
Uma outra questão importante, diz respeito aos limites de atuação dentro do próprio SESMT. E essencial, a bem da ética e mesmo do das boas relações e da produtividade, que as regras do jogo sejam definidas com clareza a partir de um constante e amplo debate e partir do qual seja possível dar a cada situação o melhor formato para o grupo, para os interesses macros. Conflitos serão evitados quanto maior for a capacidade de decidir situações tendo como referência o objetivo e nada mais.
Enfim, como se pode ver, a questão é muito complexa e não se encerra com algumas linhas, que na verdade servem mais para chamar a atenção para a necessidade de discutirmos muito mais este assunto, seja nos pequenos grupos dentro das empresas, seja num grande debate nacional.
Sendo necessariamente repetitivo, até que isso ocorra, sugere-se tomar como referência na decisões sempre o OBJETIVO e a FINALIDADE de nossa existência. A busca pela padrão de relações éticas, não deve ser apenas uma forma de encontrarmos mais conforto e passividade nas relações, antes, deve ser um meio de garantir que determinada comunidade de profissionais age numa mesma direção em busca do mesmo objetivo.
Vale lembrar, que não há uma só relação em jogo e nem apenas um só momento. Com isso queremos dizer, que em todos os momentos e situações, devemos nortear as decisões e ações a partir dos princípios éticos.
Cosmo Palasio de Moraes Junior
Técnico de Segurança do Trabalho
cpalasio@uol.com.br
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