quinta-feira, 24 de março de 2011

Comida japonesa

LEIA, VC VAI CHORAR DE RIR!


Naquele tempo eu tinha uma namorada de Três Rios, e raramente ela vinha para Niterói me visitar, já que cada vinda dela era uma coisa planejada cuidadosamente, com capricho de visita de chefe de estado, uma vez que havia toda uma logística de vigilância para que eu não comesse a garota (que todo mundo pensava ser virgem, sobretudo na família dela).

Então, era uma coisa rara e quando ela vinha aqui nosso passeio mais comum era ir ao shopping. Não sei porque cargas d´água a infeliz dava um azar e sempre que ela vinha crente que iria à praia, chovia horrores. Então o que restava era o shopping.
Um dia eu estava vendo tevê quando numa novela ou seriado, percebi que um cara muito charmoso, o galã ou o antagonista boa-pinta-malvado-feito-o-cão, levou sua vítima para comer comida japonesa. E aquilo ali fez todo sentido para mim.
Eu pensei cá com meus botões: – Que legal, o sujeito leva a moça para um restaurante exótico, mete saquê nela e depois sai com ela e finaliza o serviço…
Naquele tempo, só tinha dois restaurantes especializados em gastronomia oriental em Niterói. A comida japonesa ainda não era essa febre que é hoje. E é por isso que a idéia de comer comida japonesa me pareceu tão sensacional. Quando ela chegou, eu resolvi impressionar a garota. Juntei todos os caraminguás que eu tinha. Não era muito, uma vez que eu não trabalhava e vivia de mesada, e ainda por cima era fim do mês. Ela queria ir no clássico Mc Donald´s (que também não tem em Três Rios) mas eu falei pra ela:
- J*, hoje eu vou te levar num lugar super legal. Vamos comer comida japonesa.
-É mesmo? Nossa, que legal! Eu nunca comi.- Disse ela com uma expressão de surpresa. – Eu quase falei que eu também nunca tinha comido aquilo, mas sabe como é o cara querendo impressionar, né?
-Ah, você vai se amarrar. Tem que comer de pauzinho, você vai ver… -Bancando o profundo conhecedor de comida japonesa.
-Nossa. será que eu vou saber?
-Claro. É facílimo. Eu te ensino. – Ele, o maioral, o senhor Tokio em pessoa, ehehehe.
Nos arrumamos. Coloquei a minha roupa bonita de fazer exame e ela se enfiou naqueles micro-vestidos provocantes que só me arrumavam problemas na rua. Fomos direto pro restaurante.
Chegando lá, ela embasbacada com um restaurante todo decorado como construção japonesa. Eu estava embasbacado também, mas querendo bancar o sujeito cosmopolita, cidadão do mundo que conhece todo tipo de comida, tentei fazer um ar blasé como se aquilo fosse a coisa mais normal do mundo. Entramos, e havia uma série de mesinhas baixinhas. Novamente o espanto. Novamente meu ar blasé.
O garçom trouxe o cardápio. Quando eu bati o olho imaginem! Era caro demais!
-O que foi? – Perguntou ela vendo meu ligeiro desconforto (na verdade, quase um ataque epiléptico).
-Nada, nada. É que… Bem, eles mudaram o menu… – Disse eu olhando para o menu em busca dos preços. Enquanto isso, meu co-processador aritmético, fazia um milhão de contas tentando determinar o que é naquela maldita carta que daria para comer com os parcos tostões que eu tinha.
Depois de muito olhar, eu notei que não havia nenhuma desgraça de descrição do que era cada prato daqueles. Só havia os nomes em japonês. Eu não gostei. Era muita monguice fazer um menu de restaurante todo em japonês sabendo que a probabilidade de um japonês alfabetizado entrar lá era infinitamente pequena.
-Você está bem? – Perguntou a J* pra mim ainda intrigada com minha cara. Eu pensei em falar a verdade e assumir que eu tava sem dinheiro, tão do mato quanto ela e que aquilo ali era minha primeira vez também, mas ela parecia tão feliz de estar na cidade grande, num lugar tão sofisticado que eu fiquei com vergonha de bancar o otário. Eu odeio fazer papel de otário, mas quando eu faço, vou até as últimas consequências.
-Estou. Estou ótimo. Você quer escolher? – Disse eu, entregando pra ela o cardápio.
Pronto, estava feito o suicídio social e amoroso na minha vida. Eu não só não havia falado a verdade como não tinha cheque nem cartão de crédito. O dinheiro era contadinho, e eu havia deixado a garota escolher o que pedir.
Enquanto ela olhava em silêncio o cardápio eu pensava como ia ser na hora de sair. Como dizer que não teria dinheiro para pagar? Como pagar o mico de ligar para o meu pai e pedir para ele ir lá pagar a conta?  O problema começava a se avolumar cada vez mais e eu devia estar com uma cara de muito pavor porque notei que os caras da mesa ao lado começavam a olhar pra mim.
-Mas está tudo em japonês… – Disse ela. Eu respirei aliviado. A monguice suprema do restaurante havia me salvado.
Qualquer cidadão mínimamente normal iria chamar o garçom e pedir uma sugestão, mas na situação periclitantemente dura que meu bolso estava, eu não daria mais esta chance ao azar. Levantar e sair estava fora de cogitação, uma vez que ela iria passar a maior vergonha e eu mais ainda.
Eu peguei o menu de volta. O menu era cheio de belas fotos e olhei cuidadosamente cada uma das fotos. Foi quando lá no iníciozinho, eu vi uma linda foto de uma cumbuca LOTADA de camarão.
Ao lado haviam uns três troços indecifráveis escritos em japonês.
Dois desses troços eram caríssimos. Um deles era barato. Quer dizer, era caro, mas era o que eu podia pagar. Torci para que o barato fosse a cumbuca de camarões.
Então eu chamei o garçom e apontei para o nome da coisa que eu podia pagar. Pedi aquilo.
O garçom:
-Quantos? – Eu não estava preparado para aquilo. Eu queria ouvir apenas um “sim senhor”. Mas “quantos” realmente me sacaneou.
-Hã?
-Quantos o senhor deseja?
-Errr… Bem, eu não estou com muita fome… (menti. Eu tava com uma forme desgraçada) J* você tá com muita fome? – Perguntei a ela. E como era de bom tom, graças à Deus, a mínima educação a infeliz tinha. Aí ela disse:
-Não… Não muita.
Satisfeito, eu virei para o garçom e disse: Traz um só pra dividirmos. E uma coca. também pra dividir. O garçom acenou com a cabeça e fez uma cara MUITO estranha. Virou-se e saiu.
A cara do garçom ficou na minha cabeça me preocupando por alguns minutos, mas o ambiente era tão legal, tão bem decorado, que eu relaxei e acabei esquecendo dela. Além disso, meu otimismo crônico me tranqüilizava com a idéia de que talvez o garçom tivesse feito aquela cara porque ele queria ganhar 10% em cima de dois cumbucões de camarão.
Dali a pouco veio o garçom trazendo uma coisa estranha. Um guardanapo em forma de leque quente pra caramba.
J* estava em êxtase, eu secretamente havia acertado seu eterno desejo de comer comida japonesa, desde que vira aquilo num filme.
E então depois de um papo de amenidades, veio o garçom trazendo a bandeja. Como nós estávamos sentados na mesa baixinha, não dava pra ver o que havia na bandeja até que ele se abaixou e colocou dramáticamente no meio da mesa.

Ali estava um bolinho. Um minúscula dum bolinho de arroz.


O garçom mandou o clássico:
-Bom apetite. – E saiu. Eu pude ver através da nuca do garçom um sorriso cínico. Meu olhar passeou em câmera lenta por todo o restaurante, desviando-se agilmente dos olhares estupefatos de J* para o bolinho. Eu só parei de olhar em volta quando vi que os caras da mesa ao lado estavam quase fazendo xixi na calça de tanto rir da minha situação escrota.
Então eu tomei coragem e olhei para J*. E em seguida olhei para o bolinho.
-É só isso? – Perguntou ela.
-Acho que é.
-Acha?
-Não, quer dizer. É… Com certeza, é. Sabe como são os japoneses, todos magrinhos…
-Eu não vou comer isso. – Falou ela olhando com nojo para o bolinho que aguardava no meio da mesa.
Pela minha visão periférica eu vi o garçom chegando e por um momento eu pensei que aquilo era um couvert. Eu já ia respirar aliviado quando vi que o garçom colocou uma cumbquinha com umas coisinhas na mesa. Era tipo duma maionese verde e outra com um caldo preto que parecia óleo queimado.


J* olhou pra mim: – Que isso?
Eu apontei com o pauzinho:
-Isso?


-É.
-Isso, bem… Sabe como é. Isso é uma… Uma maionese. Uma maionese de alface. Por isso que é verde. Quer?
-Não. Cruz credo. Come você.
- E isso aqui? – Perguntou ela apontando para o shoyo.
-Isso aqui é… O óleo que fritou o baiacú. – Disse eu sabendo que desta frase ela só entendeu a parte do “óleo que fritou”.
-Não vai querer o bolinho?
-Acho que perdi a fome. Além disso, parece que tem uma fita isolante em volta dele. – Ela riu.
Eu fiz o meu clássico ar blasé, como quem diz: “Não sabe nada da vida, né minha filha?”
Então eu peguei o bolinho de arroz enrolado numa fita isolante com uma coisa morta em cima, que visívelmente não ia matar nem 1% da minha fome. Como era pouca comida, peguei TODA a “maionese de alface” E caprichei uma escultura em cima do bolinho.
Olhei para o lado, para a mesa dos três caras e todos eles estavam estupefatos olhando pra mim com os olhos mais arregalados que eu já vi.
Não deu tempo de fazer a conexão. Eu enfiei aquelo na boca.
Era wasabi.
—–Pausa em luto do meu intestino ——-
Continuando, o tal wasabi que eu pensava que era maionese de alface, era a coisa mais sinistramente picante que eu coloquei na minha boca em toda minha vida.
Eu olhei para J* e a vi terminando de beber o último copo de coca-cola que estávamos dividindo.
-Que foi? – Indagou ela.
Eu não conseguia falar. As lágrimas começaram a escorrer pelo canto dos meus olhos e eu só não vomitei ali mesmo porque eu daria um gostinho para os quatro da mesa ao lado. Todos aqueles quatro rindo de mim, esperando que eu gritasse, levantasse correndo pro banheiro ou desse um jato de vômito verde-limão na cara de J* no melhor estilo Exorcista.
Eu comecei a sentir minha glote fechar. Eu achei que ia morrer.
Então, eu reuni toda força universo, toda energia dos antepassados, do cosmos, a força de Gaia, mais a energia vital do meu corpo, mentalizei o kundalini e engoli aquela merda.
J* apenas olhava minha cara vermelha, e as lágrimas correndo pelo canto dos olhos.
-Tá quente? Tá ardendo? Tá com pimenta? – Ela perguntava assustada.
Eu só conseguia mexer a cabeça positivamente. Meti a mão no bolso peguei o dinheiro e joguei sobre a mesa. Levantei peguei J* pela mão e saí puxando ela pra fora do restaurante.
A noite terminou no Mc Donald´s, onde deveria ter começado.
Depois disso, eu fiquei anos sem comer comida japonesa.
FIM

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