sexta-feira, 15 de janeiro de 2010
Bola pra frente sempre
A vida é um jogo que está sempre (re)começando. Nosso papel é canalizar a energia para conquistar o melhor:
Tem dias que a gente convive com a sensação incômoda de que era melhor não ter levantado da cama. As horas custam a passar e ficamos com a impressão de que tudo parou, pelo menos em nossa vida. Se fôssemos poetas, como o Chico, diríamos algo como: "Tem dias que a gente se sente como quem partiu ou morreu. A gente estancou de repente, ou foi o mundo então que cresceu...".
Não importa o que você faça, sua profissão ou seu grau de sucesso. Você certamente já experimentou esse sentimento de que algo está errado e que, provavelmente, nada mais dará certo. Não há ninguém no mundo que já não tenha sentido o gosto do fracasso, da perda, da desesperança. Os motivos podem ser os mais variados, da perda do emprego até o fim de um amor - ou mesmo a percepção de que um sonho antigo, tão querido e acalentado, provavelmente não se realizará.
Em grau maior, às vezes ficamos pasmos e mudos diante das notícias do jornal sobre o que estão fazendo com nosso mundinho em todos os lugares. Desde o bairro aqui do lado, onde um crime passional aconteceu, até aqueles países em que o fundamentalismo mostra a (feia) cara.
Tem dias que parece que a nossa bola parou de rolar. Ou, pior, parece que estamos quase fazendo um gol contra. Muito cuidado nessa hora. É melhor baixar a emoção por um instante, conter o ímpeto de fazer a primeira loucura que passar pela cabeça. O melhor é mandar a bola pra frente, que é para onde ela sempre deve estar indo, em direção ao seu destino.
Vamos ser honestos: este texto, apesar de ser uma prosa, parece que está tentando parecer poesia, não é mesmo? Apelando para a emoção, citando uma frase musical e lembrando uma das expressões idiomáticas mais utilizadas em nosso país - bola pra frente! Pois é, mas apesar dessa aparência romântica, estamos tratando de um assunto tão sério quanto corriqueiro. Afinal, a necessidade que temos de olhar para a frente e enfrentar a carga de forças contrárias é muito grande.
Quando comecei a pensar nesse tema, me detive numa auto-análise, tentando lembrar quantas vezes vivi essa situação de ter que engolir em seco e continuar o jogo, apesar das circunstâncias. Conversando com amigos, recebi a mesma informação. Todos relatam coleções de momentos de retomada do jogo. Um chegou a me dizer: "Eu nunca saí do jogo, mas parece que o estou (re)começando quase todos os dias".
Pensando bem, é isso mesmo que fazemos o tempo todo: começamos o jogo de novo. Quem não tem a energia necessária para esse eterno começar fica de fora do jogo e, claro, perde. E haja energia...
Energia para continuar De modo geral, todos sabemos o que é energia e que resultados ela produz. E sabemos também que a energia pode se manifestar de diversas formas: térmica, mecânica, elétrica, nuclear etc. Vale lembrar que existe uma lei explicando que a quantidade total de energia no Universo, que é um sistema fechado, nunca se altera, só se transforma de um tipo em outro, num processo permanente. Também vale lembrar que nós todos possuímos dentro de nós uma energia só humana, a "energia psíquica".
O ser humano, de acordo com Jung (Carl G. Jung, 1875-1961), produz e depende desse tipo particular de energia para manter a própria vida. Jung apresentou esse conceito em seu livro Metamorfose e Símbolos da Libido, no qual chamou a energia psíquica pelo nome de "libido". Nisso foi diferente de Freud (Sigmund Freud, 1856-1939), que atribuía à libido uma significação exclusivamente sexual. No conceito junguiano, a libido, ou energia psíquica, tem um sentido mais amplo, ligado ao instinto permanente de viver, e se manifesta por tudo o que providencia a manutenção da vida, como a fome, a sede e a sexualidade, mas também o entusiasmo, o interesse, a vontade, a resiliência.
Resiliência? O que é isso? Mais uma vez a física: é a propriedade por meio da qual a energia armazenada num corpo deformado por um choque é devolvida quando cessa a tensão causadora da deformação. Em outras palavras, é a resistência de um corpo a um choque. A energia de um chute numa bola a deforma - mas apenas por um instante, pois logo essa energia é incorporada pela bola e transformada em deslocamento. Simples assim.
Mas é bom lembrar um detalhe pra lá de importante: a bola é resiliente porque tem uma tensão interna própria, que permite transformar a energia externa em movimento. Bola murcha não vai longe, pois se deforma e não recupera a forma original.
O mesmo ocorre com as pessoas. Os choques que recebemos, e não são poucos, podem ser transformados em movimento ou podem nos deformar e nos converter em uma massa amorfa e inerte, incapaz de reagir e ir longe. A diferença entre essas duas possibilidades depende da calibragem interna, da energia psíquica, da libido, da presença de Eros, o deus da Vida, em contraposição a Tanatos, o deus da Morte. Bola cheia é redonda, firme, boa de pegar, erótica. Bola murcha é desagradável, repugnante, não responde, parece morta.
Para que possamos mandar a "bola pra frente" precisamos estar redondos, firmes, bons de pegar, eróticos. O oposto disso você já sabe...
Jung diz que todos os fenômenos psíquicos são de natureza energética e vê a psique em incessante dinamismo. Correntes de energia cruzam-se continuamente. Tensões diferentes, pólos opostos, correntes em que a energia progride num sentido e regride no outro, promovendo movimentos constantes, aos quais podemos chamar de "vida interior", responsáveis também pelo relacionamento com o mundo repleto de variáveis.
Tudo se transforma Segundo Jung, a energia psíquica se comporta como a energia física num sistema fechado, não pode ser perdida nem criada, apenas transformada. "Nenhum valor psíquico pode desaparecer sem que seja substituído por outro." Por isso, muito cuidado para canalizar adequadamente sua energia psíquica, pois quando ela sai do controle pode provocar alguns estragos.
Jung relata o tratamento de um paciente que, ao ser abandonado por sua noiva, que o trocou por outro, teve inicialmente uma reação indignada, mas cheia de energia construtiva, de alguém que deseja ir à forra, dar a volta por cima e não se deixar abater por esse infortúnio. No entanto, em lugar de fazer isso, ele deprimiu-se, abandonou a idéia de reagir e passou a apresentar sintomas físicos, com dores que não eram explicadas clinicamente. A energia foi canalizada para o corpo e o castigou.
Perceba a importância da "bola pra frente". A energia que estávamos dedicando a um projeto que terminou, ou fracassou, deve ser desviada para outro, sob pena de transformarmos essa energia numa fonte destrutiva da auto-estima e do próprio corpo. Os complexos nada mais são do que "nós" de energia. Auto-imagens que criamos a partir de momentos mal resolvidos, porque não conseguimos superar nem reagir aos choques externos. Baixa resiliência absorve a energia e não a devolve em forma de movimento. Interioriza e somatiza, transformando frustração em doença.
Não é incomum a gente ter essa sensação desagradável de não estar gostando do que está acontecendo. Nesses momentos, olhamos para a frente e vemos uma espécie de encruzilhada que se abre em dois caminhos, ambos misteriosos, e sabemos que um deles, com certeza, vai nos levar a sair do estado deplorável em que nos colocamos - ou nos colocaram. O problema é encontrar força e sabedoria para escolher o caminho certo, pois ir para o lado errado é uma forte tendência. Você já percebeu como tem gente que teima em escolher o lado errado da encruzilhada e vai por aí repetindo os erros e semeando lamúrias só para colher compaixão em troca?
O sábio persa Zaratustra disse, há muitos séculos, que há momentos na vida de um homem em que não basta ser apenas um homem, é preciso ser um super-homem. E isso significa que precisamos encontrar forças para vencer os inimigos. Ele alerta, porém, que nossos piores inimigos não são os de fora, mas os de dentro de nós mesmos, os "inimigos internos", e entre eles estão o medo, a ignorância e a indolência. Portanto, "bola pra frente" não significa chutar de qualquer maneira, obedecendo ao desespero, mas organizar a energia interna e concentrá-la no ato de reagir e continuar a vida de maneira mais coerente com os resultados que desejamos alcançar.
Apenas uma palavra Nosso povo é acolhedor e dado ao relacionamento humano fraterno. É cheio de tiradas e frases de efeito, que podem alegrar, indignar, ridicularizar ou entusiasmar. Abraçar um amigo que se encontra num momento especialmente ruim e dizer-lhe simplesmente: "Bola pra frente, meu caro, a vida continua", pode parecer um conjunto de palavras vazias, mas pode - e comumente o faz - ter o efeito de mobilizar a energia psíquica da pessoa que, derrubada pela decepção ou pela dor, estava retida e ameaçava transformar-se em energia destrutiva.
Em seu belo livro O Velho e o Mar, Ernest Hemingway relata a história de Santiago, um velho pescador cubano que trava contato com dois infernos. O primeiro é a ausência de sorte, que o levou a ficar 84 dias sem pescar um peixe sequer. Diziam os outros pescadores que ele havia se transformado num salao, um azarento da pior espécie.
A fase ruim levou Santiago a conhecer a penúria e sua tristeza ficou maior quando perdeu seu auxiliar, um garoto que não só o ajudava como o admirava, mas que se transferiu para um barco de melhores resultados. Santiago, porém, não é homem de lamúrias, muito menos de desistências. Parte sozinho para alto-mar, sentindo falta do garoto, mas acompanhado por uma forte certeza de que "hoje será um grande dia para a pesca de marlins".
O segundo inferno ele conhece após ter visitado o céu. Fisga um peixe enorme, com o qual trava uma batalha de três dias. Consegue vencê-lo, trazê-lo até o pequeno barco e amarrá-lo ao costado - pois dentro não cabia, maior que o próprio barco ele era. Santiago, só contentamento, passa a viver o novo martírio. Tubarões, atraídos pelo sangue do peixe morto, começam a aparecer e a arrancar-lhe pedaços. Santiago ainda consegue matar três e, num momento, grita alto: "Um homem pode ser destruído, jamais vencido". Continua a lutar com as forças e as ferramentas que lhe restam. Todo em vão, pois os tubarões não param de chegar. Quando finalmente atinge a praia, apenas arrasta um enorme esqueleto inútil.
A cena que segue é repleta de tristeza - e enorme beleza. Seu amigo, o garoto aprendiz, o procura, declarando sua preocupação com o desaparecimento do mestre por três dias, e lhe diz que vai voltar a pescar com ele, pois quer aprender mais. Santiago, desolado, diz: "Não é mais possível, a sorte me abandonou por completo". Ao que o garoto retruca: "Não se preocupe, eu levarei a sorte comigo". Este argumento foi o suficiente para o "velho" se recuperar.
A desesperança dá lugar ao ânimo para seguir em frente. "Precisamos de uma nova lança. Podemos fazê-la com qualquer chapa de aço de um velho Ford." Rapidamente Santiago renasce, lembrando que ainda haveria pelo menos três dias de brisa forte, e que eles deveriam ser aproveitados. A sorte voltaria, trazida pela brisa da esperança. Exatamente como nossa vida deve ser; sempre pra frente...
Tem dias que a gente convive com a sensação incômoda de que era melhor não ter levantado da cama. As horas custam a passar e ficamos com a impressão de que tudo parou, pelo menos em nossa vida. Se fôssemos poetas, como o Chico, diríamos algo como: "Tem dias que a gente se sente como quem partiu ou morreu. A gente estancou de repente, ou foi o mundo então que cresceu...".
Não importa o que você faça, sua profissão ou seu grau de sucesso. Você certamente já experimentou esse sentimento de que algo está errado e que, provavelmente, nada mais dará certo. Não há ninguém no mundo que já não tenha sentido o gosto do fracasso, da perda, da desesperança. Os motivos podem ser os mais variados, da perda do emprego até o fim de um amor - ou mesmo a percepção de que um sonho antigo, tão querido e acalentado, provavelmente não se realizará.
Em grau maior, às vezes ficamos pasmos e mudos diante das notícias do jornal sobre o que estão fazendo com nosso mundinho em todos os lugares. Desde o bairro aqui do lado, onde um crime passional aconteceu, até aqueles países em que o fundamentalismo mostra a (feia) cara.
Tem dias que parece que a nossa bola parou de rolar. Ou, pior, parece que estamos quase fazendo um gol contra. Muito cuidado nessa hora. É melhor baixar a emoção por um instante, conter o ímpeto de fazer a primeira loucura que passar pela cabeça. O melhor é mandar a bola pra frente, que é para onde ela sempre deve estar indo, em direção ao seu destino.
Vamos ser honestos: este texto, apesar de ser uma prosa, parece que está tentando parecer poesia, não é mesmo? Apelando para a emoção, citando uma frase musical e lembrando uma das expressões idiomáticas mais utilizadas em nosso país - bola pra frente! Pois é, mas apesar dessa aparência romântica, estamos tratando de um assunto tão sério quanto corriqueiro. Afinal, a necessidade que temos de olhar para a frente e enfrentar a carga de forças contrárias é muito grande.
Quando comecei a pensar nesse tema, me detive numa auto-análise, tentando lembrar quantas vezes vivi essa situação de ter que engolir em seco e continuar o jogo, apesar das circunstâncias. Conversando com amigos, recebi a mesma informação. Todos relatam coleções de momentos de retomada do jogo. Um chegou a me dizer: "Eu nunca saí do jogo, mas parece que o estou (re)começando quase todos os dias".
Pensando bem, é isso mesmo que fazemos o tempo todo: começamos o jogo de novo. Quem não tem a energia necessária para esse eterno começar fica de fora do jogo e, claro, perde. E haja energia...
Energia para continuar De modo geral, todos sabemos o que é energia e que resultados ela produz. E sabemos também que a energia pode se manifestar de diversas formas: térmica, mecânica, elétrica, nuclear etc. Vale lembrar que existe uma lei explicando que a quantidade total de energia no Universo, que é um sistema fechado, nunca se altera, só se transforma de um tipo em outro, num processo permanente. Também vale lembrar que nós todos possuímos dentro de nós uma energia só humana, a "energia psíquica".
O ser humano, de acordo com Jung (Carl G. Jung, 1875-1961), produz e depende desse tipo particular de energia para manter a própria vida. Jung apresentou esse conceito em seu livro Metamorfose e Símbolos da Libido, no qual chamou a energia psíquica pelo nome de "libido". Nisso foi diferente de Freud (Sigmund Freud, 1856-1939), que atribuía à libido uma significação exclusivamente sexual. No conceito junguiano, a libido, ou energia psíquica, tem um sentido mais amplo, ligado ao instinto permanente de viver, e se manifesta por tudo o que providencia a manutenção da vida, como a fome, a sede e a sexualidade, mas também o entusiasmo, o interesse, a vontade, a resiliência.
Resiliência? O que é isso? Mais uma vez a física: é a propriedade por meio da qual a energia armazenada num corpo deformado por um choque é devolvida quando cessa a tensão causadora da deformação. Em outras palavras, é a resistência de um corpo a um choque. A energia de um chute numa bola a deforma - mas apenas por um instante, pois logo essa energia é incorporada pela bola e transformada em deslocamento. Simples assim.
Mas é bom lembrar um detalhe pra lá de importante: a bola é resiliente porque tem uma tensão interna própria, que permite transformar a energia externa em movimento. Bola murcha não vai longe, pois se deforma e não recupera a forma original.
O mesmo ocorre com as pessoas. Os choques que recebemos, e não são poucos, podem ser transformados em movimento ou podem nos deformar e nos converter em uma massa amorfa e inerte, incapaz de reagir e ir longe. A diferença entre essas duas possibilidades depende da calibragem interna, da energia psíquica, da libido, da presença de Eros, o deus da Vida, em contraposição a Tanatos, o deus da Morte. Bola cheia é redonda, firme, boa de pegar, erótica. Bola murcha é desagradável, repugnante, não responde, parece morta.
Para que possamos mandar a "bola pra frente" precisamos estar redondos, firmes, bons de pegar, eróticos. O oposto disso você já sabe...
Jung diz que todos os fenômenos psíquicos são de natureza energética e vê a psique em incessante dinamismo. Correntes de energia cruzam-se continuamente. Tensões diferentes, pólos opostos, correntes em que a energia progride num sentido e regride no outro, promovendo movimentos constantes, aos quais podemos chamar de "vida interior", responsáveis também pelo relacionamento com o mundo repleto de variáveis.
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